sábado, abril 24, 2004

Deixa as tuas asas em casa para o voo continuar

Existem dias reais. Dias em que falamos por onomatopeias, sentimo-nos ferrugentos e ao toque somos mornos. São dias incolores e transparentes, insípidos – não são inodoros como é a água – mas que cheiram a sono. Acordamos assim; sem melancolia, nem mágoa, ausência de dor ou saudade. E desembrulhando este acordar, esquecemos os sonhos e varremos as ramelas. Sabendo que, no fundo do embrulho do nosso alvorecer permanece aquela forma bruta e genuína de «tristeza». Levantamos voo para a nossa existência assim.
Mas há quem não te conheça. E te estranhe por não teres raiz. Insistimos em não deixar as asas em casa e levamos-te a passear num mundo ingénuo, que te acha inapropriada como se precisasses de convite para surgir. E perguntam o que se passa… nos interrogam sobre causas, motivo, razões! Querem respostas! Só temos perguntas. Porque há dias assim. Dias com bafo morno, aspecto enferrujado, soam a onomatopeias, sabem a água e cheiram a sono. Dias quase irreais…
E regressamos ao ninho. Choramos sozinhos não por vergonha. Provocas medo e ansiedade por seres só isso e tanto. Por seres a mais triste «tristeza»; solitária sem ter saudade, profunda sem conhecer dor, não há mágoa que te magoe ou melancolia que te faça companhia. Não sei se soprada pela corrente de ar ou assustada pelo barulho da chuva te refugias nele, no outro… em mim. Todos falaram e ninguém tentou ceder um ombro para ouvir as onomatopeias que causas aqui, ali… assim.
Há dias demasiado reais para as nossas asas irreais. Deixa as tuas asas em casa quando se extinguir este demorado amanhecer. E regressaremos ao mundo assim.

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