Inter Rail
Abres os olhos e outra vez aquela sensação de tentar perceber onde estás; endireita as costas, espreguiça-te e boceja à vontade, a cabine do comboio cada vez mais nítida, agora mais uma pessoa aí contigo
(adormeceste à saída de Santa Apolónia, na janela o dia perdeu-te de vista, estação menos estação deve ter entrado em Vilar Formoso)
outra mochila tão grande como a tua, uma rapariga jogada no banco em frente, o Bob Marley da t-shirt amarrotado até aos lábios enquanto os lábios dela
(parecidos com os teus)
a lamber de certeza segunda ou terceira mortalha, o cheiro a erva não engana, a conversa
- Portugal é campo
não engana se olhares as terras espanholas pelo vidro, o vermelho a ganhar terreno ao branco dos olhos dela
(castanhos como os teus)
mas não mordas o lábio nem te rias porque
- Enquanto dormiste fui mijar e quando o comboio parou fiquei com as calças na mão
dois anos atrás o comboio também parou, contigo na casa de banho a reler o aviso da porta: “Não utilizar durante as paragens nas estações”
logo não mordas o lábio nem revires os olhos porque
- Fiquei naquela; mijo, não mijo
ainda agora passaste as pálpebras pelas brasas e mesmo assim estás mais arrebitada que ela
(realmente parecida contigo)
sem vírgula cicatrizada no queixo, por outro lado o cabelo comprido também quase negro
(realmente faz lembrar)
não esqueças
logo de manhã chegam a Hendaya, pedes-lhe o número, explicas se ela responder que
- Não trouxe o telemóvel
logo de manhã, imaginas alguém a entrar-te no quarto, a encontrar na estante o teu bilhete de identidade esquecido
(de propósito)
no propósito de durante um mês não provares quem és
(apeteceu-te)
por isso não te esqueças: basta pedir-lhe o número do BI, e se o teu nutre-se de pó em casa, depois percebes que no agora tens outra pessoa aí contigo
(realmente parecidas, podiam confundir)
duas raparigas
em que tu és tu, mesmo sem bilhete de identidade
(anota o número do dela)
e logo de manhã continuas o itinerário com um retalho marginal em ti
porque apeteceu-te esquecer de ti
e ela também; adormeceu sem te dar boa noite.
Lisboa, 10 de Agosto de 2004
(adormeceste à saída de Santa Apolónia, na janela o dia perdeu-te de vista, estação menos estação deve ter entrado em Vilar Formoso)
outra mochila tão grande como a tua, uma rapariga jogada no banco em frente, o Bob Marley da t-shirt amarrotado até aos lábios enquanto os lábios dela
(parecidos com os teus)
a lamber de certeza segunda ou terceira mortalha, o cheiro a erva não engana, a conversa
- Portugal é campo
não engana se olhares as terras espanholas pelo vidro, o vermelho a ganhar terreno ao branco dos olhos dela
(castanhos como os teus)
mas não mordas o lábio nem te rias porque
- Enquanto dormiste fui mijar e quando o comboio parou fiquei com as calças na mão
dois anos atrás o comboio também parou, contigo na casa de banho a reler o aviso da porta: “Não utilizar durante as paragens nas estações”
logo não mordas o lábio nem revires os olhos porque
- Fiquei naquela; mijo, não mijo
ainda agora passaste as pálpebras pelas brasas e mesmo assim estás mais arrebitada que ela
(realmente parecida contigo)
sem vírgula cicatrizada no queixo, por outro lado o cabelo comprido também quase negro
(realmente faz lembrar)
não esqueças
logo de manhã chegam a Hendaya, pedes-lhe o número, explicas se ela responder que
- Não trouxe o telemóvel
logo de manhã, imaginas alguém a entrar-te no quarto, a encontrar na estante o teu bilhete de identidade esquecido
(de propósito)
no propósito de durante um mês não provares quem és
(apeteceu-te)
por isso não te esqueças: basta pedir-lhe o número do BI, e se o teu nutre-se de pó em casa, depois percebes que no agora tens outra pessoa aí contigo
(realmente parecidas, podiam confundir)
duas raparigas
em que tu és tu, mesmo sem bilhete de identidade
(anota o número do dela)
e logo de manhã continuas o itinerário com um retalho marginal em ti
porque apeteceu-te esquecer de ti
e ela também; adormeceu sem te dar boa noite.
Lisboa, 10 de Agosto de 2004
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