quinta-feira, maio 31, 2007

Of course It’s your Mind, Baby




Numa cirurgia tinham-lhe dado um novo coração. Daqueles que não dói, pensou enquanto a anestesia fechava-lhe os olhos. Imaginou uma mão pela sua boca a dentro, depois o antebraço, até que todo um braço, averiguando onde afinal é o fim da garganta, qual a sensação de tocar o miolo do corpo. Cinco dedos em posição de garra no centro dos seus dois pulmões e
Traaack! Um amputar bruto, seco, sem avisos, cem remorsos: o som de um coração arrancado. Do exterior, percebia-se o molde de um punho sob o seu tórax, um soco em sentido contrário, de certeza partira costelas, em direcção à pele. Acordou, e a seu lado, enublado, viu um frasco com o velho coração boiando em líquido amarelado ou transparente ou vermelho fraco. Aquele que doía, pensou, piscando-lhe o olho. Qual não foi o seu terror quando sentiu aflição, «Um novo e já?», uma tristeza não só a crescer como a multiplicar-se em melancolias; pelos quadrantes do abdómen até à bexiga; pelos joelhos até aos pés e aos saltos; até à testa, afinal um calor a descer entre os olhos, ladeando o nariz, gelo quase desfeito ruindo nos olhos – E o frasco onde o coração cada vez mais deformado, cada vez menos coração, quase em forma de um sorriso – «Ris-te de mim?» – A calma que é com-pre-en-der a facilidade da poesia em culpar o coração só porque é do mais agitado que existe no interior de cada corpo. Se o que sentimos não tem rosto arranjemos-lhe um som. «O gorgolejar de um intestino dificilmente é poético», respondeu ao frasco e continuou a dormir.

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