quinta-feira, novembro 10, 2005

Deixa-te de Saias e Vamos à Tanga em questão

Após dois dias na Escócia confesso: gosto de homens com saias.
Inverness, 13 de Agosto de 2004




1.
Eu preferia ter vindo com os meus amigos, mas Giulia não se dá bem com eles. Pietro ao telemóvel contou-me dos castelos, a espada, o monte que escalou. Os meus amigos estão na Escócia que interessa, nós em Inverness. Giulia prefere ver o lago, não sei porquê. Faz duas semanas que festejei vinte anos e um ano de namoro com Giulia e o meu pai segredou-me: “Não te apresses em que ela mande em ti, uma mulher há-de ter a tua vida inteira”. Senti-lhe o bafo de álcool, não liguei e amanhã visito o Loch Ness quando em Itália temos lagos. Perguntei a Giulia se acreditava no monstro, ela chamou-me de parvo. Portanto tudo resume-se a um lago.
Se estou a escrever às 20h30, é porque não tenho sono, ao contrário dos roncos de Giulia à minha direita na cama, ao contrário da rua onde de hora a hora com sorte, talvez um carro, ninguém, um ou outro mosquito. Estamos no número 20 da Argyll Street porque Giulia explicou-me que não gosta de pousadas com gente jovem maluca. Eu franzi o sobrolho, olhando a minha namorada e ela replicou: “A palavra maluca faz toda a diferença”. Depois Giulia mostrou-me este endereço com a foto da pensão “Mr. and Mrs. Lyall”. Que agora me parece uma casa de repouso, a foto para não variar disfarçava.
Mrs. Lyall acolheu-nos às 19h e senti-me invasor na casa da minha avó. Cheira a bolos. Mobília por todo o lado, escura. Subimos o vão de escadas que chiam, onde degrau a degrau sempre papel na parede e molduras onde pessoas jovens a preto e branco, acompanham-nos com os olhos o caminho até aos quartos. Uma delas parecida a Mrs. Lyall, mas não a de agora. Mrs. Lyall tem uma idade adequada às exigências de Giulia. Uns setenta anos. Avisou-nos que às 20h – hora da sua novela – trancava a porta por causa dos ladrões. A delicadeza com que a velhice é capaz de nos impor hora de recolher obrigatório. Argyll Street sempre deserta, um ou outro mosquito. De modo que por uma hora não fomos ao centro e jantamos duas barras de cereais manhosos que Giulia retirou da mochila, apresentando-mos como “Fibras”. Depois adormeceu, ronca mais que a minha barriga. Mr. Lyall não apareceu. Não duvido cá em casa quem usa calças. Foi Mrs. Lyall quem fechou a porta do quarto.
- You’re staying two nights? Oh, lovely!


2.
Acordámos sem despertador. Mrs. Lyall bateu à porta. Não tive tempo de me lembrar onde estávamos e atendia-a de ramelas, despenteado, em boxers e a coçar o de sempre. Giulia tem mau acordar, hoje não. O cliché do pequeno-almoço na cama com ela funciona. Mrs. Lyall trouxe-nos torradas quentes com doce e fruta fresca. Para acompanhar café ou chá, em chávenas de padrão escocês. Quase desculpei Giulia por estarmos na terra do Lago e os meus amigos nos montes das Highlands a sério. Mas o nosso quarto atormenta-me, um faz-de-conta que estamos na Escócia, a que não me interessa. Edredão e almofadas com o mesmo padrão das chávenas. A bandeja igualmente vermelha às riscas coloridas. O tapete também gémeo no tecido. Mr. Lyall aparecer-me de kilt com um padrão escocês igual a este, eu acredito.
Por baixo da janela do quarto, observo o jardim onde Mrs. Lyall não tem flores mas uma roulote, onde passou a manhã inteira “Harold! Harold!” Giulia distrai-me ao pedir a câmara de filmar, máquina digital e os três cartões de memória e não sei porquê, um lago é um lago. Volto à janela e pela gritaria, Mr. Harold Lyall continua desparecido. No fundo das escadas é Mrs. Lyall quem nos espera à porta e o seu gato que ronda as pernas de Giulia. “Harold! Harold!” – Harold afinal um gato. Começa a chuviscar. É Mrs. Lyall quem se despede de nós.
- You’re sailing the Loch? Oh, lovely!


3.
Às 13:45 não apanhámos o mini-bus até ao barco que nos leva ao Loch Ness. Giulia agora toma banho e eu chá inglês, cortesia de Mrs. Lyall. Chove desde que saímos cá de casa (qual pensão, casa!) e a excursão cancelada. Comemos em frente ao rio Ness. Fui acompanhado por meia dúzia de gaivotas, apenas um raio de sol infiltrou-se nas águas, as moradias de tons castanhos com torres e telhados triangulares e o som da gaita-de-foles que tocava na outra margem. Porque Giulia não falou o almoço inteiro. Perguntei-lhe se estava amuada, chamou-me parvo. Só no centro de Inverness é que ela desistiu da mudez, houve um desfile de escoceses a rigor: com gaitas e saias. Entretanto o sino tocou, a parada parou e as pessoas aplaudiam o casal de noivos que saiu da igreja. Os noivos sentaram-se num coche e o cortejo das gaitas atrás. Pensei que Giulia invejava aquele casamento ou as vestes princesa da noiva. Depois chamei-me de parvo. O indicador dela erecto, mas na mira os homens: “As saias! As saias!” Já não percebo até que ponto ela funciona com clichés. Pensou comprar-me uma saia. Quais saias, kilts. Negociámos. Giulia já guardou o Ness na mochila. Convenci-a de que o monstro precisa de visitar outros sítios. Acho que o peluche vai gostar de Itália. Nunca vi Mr. Lyall, mas aposto que usa saia e que amanhã é Mrs. Lyall quem bate à porta do quarto.
- So you’re leaving? Oh, lovely!

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