quinta-feira, junho 24, 2004

RASGA-ME

Dizem-me que estou viva. Mesmo quando só, esbarro num reflexo que me dita que os mortos não têm as pálpebras inchadas. Os mortos não choram. Não necessitam de bóias pré-preparadas para flutuar na intempérie que, de quando em vez, acaba por declinar de cada olho vivo. O exterior não é bóia se me afogo interiormente. Finjo que não o reconheço, mas acabo sempre por me agarrar a algo – invisível ou imperceptível – ou algo agarra-se a mim. Dizem-me que morreste e às vezes vejo-te chorar. A mim, deixaram-me as lágrimas porque não nos sinto. Logo, sou um morto-vivo até que a morte nos una outra vez.


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