segunda-feira, agosto 07, 2006

Lisboa-Funchal


Para Brites
(confesso)






O medo de voar é algo que identifico mas não em mim. No último voo entretive a minha melhor amiga com esta mesma revista, nesse número a Atlantis apresentava um doce específico de Serpa, cuja receita lhe li em voz alta. Uma tolice que a fez discorrer um diagnóstico diferencial sobre ponto caramelo, ponto rebuçado e outros pontos açucarados que o meu interesse culinário entretanto esqueceu. Hoje viajo só e o avião praticamente vazio. No entanto, dá para disfarçar: atrás de mim uma algazarra de adolescentes em t-shirts XXL com bolas de basquetebol estampadas. Foi a hospedeira feiosa quem lhes disse para sentar, por isso, o da coxia murmura ao colega que a selecção das meninas a bordo não é o que era. Como o número de passageiros não possibilitou a distinção entre primeira classe e classe económica, a inexistência da cortina corrida possibilita-me ouvir as assistentes de bordo. A que me serviu sumo de manga, porque não percebeu laranja – “Têm a mesma cor”, disse-me, “O sabor não”, retorqui, para adquirir a minha escolha – explica à feiosa que o piloto não tem condições para aterrar. Os ventos cruzados da Madeira, teorizaria um amigo meu. E enquanto penso quanto tempo ficaremos retidos em Porto Santo, apercebo-me de que o comandante não prestou atenção à conversa das meninas. O avião desce a pico e ao erguer-se novamente treme ainda mais. Torna a descer, a erguer e a tremer. É a terceira vez que o faz. O gosto que tenho na boca sabe-me a algo que não está bem. Procuro concentrar-me na balbúrdia constante dos jogadores atrás de mim. Nada. Volto-me. Vejo os gigantes da bola do cesto agarrados de unhas às cadeiras, porque levam os dentes cerrados. Folheio rapidamente a revista. Queijadas de Laranja (receita para 12 queijadas).
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