Nuvens Laranja e Violeta; Não Parece o Dia Mas Já Não é Noite
Atravessaram a ponte vermelha porque ela não vive na margem sul, ele sim. E foi ele rapidamente a soltar a rolha da garrafa, que rolou pela mesa da cozinha, que pintalgou manchas de tinto no azulejo branco do chão. Foi também ele a apanhar a rolha enquanto ela agarrou a garrafa; fez-se de casa, encheu dois copos e propôs o brinde: a ti.
Não foi ele a substituir o singular do pronome, por um plural, pelo “nós”. Ela não o fez nem ele o podia fazer: existiam na terceira pessoa
ele, ela
possuíam-se na segunda pessoa
tu, ti, contigo
sentiam-se na primeira pessoa e apenas no singular
eu, mim, comigo…
Não sentiam a posse que vem pela existência do nós. Não sentimos, mas Sinto e Sentes; o que é uma grande diferença mas não é comum.
Sossegaram na varanda, nas duas cadeiras vermelhas e maleáveis que balançavam, como o vinho nos copos e com o sol a minguar. Sem um único desviar de olhos, sem que um único vestígio do tinto escapasse à saliva – nem ele, nem ela paravam de humedecer os lábios com a língua – fixavam vidros em frente assinalados por riscas brancas; típico das janelas de um prédio em obras. Mas foi a língua dele que caçou uma ideia, solta, e formou-se um arquipélago de frases:
“Se o prédio em frente fosse já habitado e de repente, alguém me visse despir-te da cintura para baixo e sentar-te em cima de mim, poderia considerar a minha atitude agressiva.”
Ela acendeu um cigarro e não olhou para o fósforo, nem para ele e disse:
“Não está ali ninguém.”
“Então, não seria agre.. Não é agressivo”, sugeriu e depois virou-se e tentou fixá-la com o olhar.
“Disseram-me que era… Achas-me agressiva?”
“Não. Directa. Por vezes sinuosa e não é um contra senso.”
“Sou da estirpe agressiva que se derrete com nuvens laranja e violeta”, riu-se e esvaziou o copo.
E algum tempo depois – menos tempo do que ele levou a soltar a rolha da garrafa – não sossegaram de frente a um prédio porque na parede em frente à cama dele, havia um espelho que os emoldurou enquanto entraram um num outro e ele disse:
“Agora derrete. Menos líquida, mais húmida. Eu quero ver. E depois ver-te a ver. E não me vir ainda. Olha-te a ti e não ao espelho. Contorces o pescoço à esquerda se te agarro os cabelos no pescoço. Olha-me ali. Até teres mais prazer. E não vais pedir para me vir; pede o prazer de me veres o prazer.”
Já não vale a pena falar em tempo, certo é que acabaram por fechar os olhos, enroscaram-se como embriões mas não podiam ficar ali nem nove meses, nem nove horas. Existiam na terceira pessoa
Ele
colocou o alarme para as 05:30
Ela
levantou-se às 06:05 e ele torceu o nariz por tocá-la vestida às 06:10.
Falaram ensonados
(em vozes de sono que não se esquecem)
o tempo todo dentro do carro, não do todo mas no
eu, tu
mim, ti
comigo, contigo…
E voltaram a atravessar a ponte vermelha porque ele vive na margem sul, ela não. Enquanto aquela noite se derretia nas águas do Tejo. E amanhecia. Enquanto as nuvens ainda eram laranja e violeta.
Não foi ele a substituir o singular do pronome, por um plural, pelo “nós”. Ela não o fez nem ele o podia fazer: existiam na terceira pessoa
ele, ela
possuíam-se na segunda pessoa
tu, ti, contigo
sentiam-se na primeira pessoa e apenas no singular
eu, mim, comigo…
Não sentiam a posse que vem pela existência do nós. Não sentimos, mas Sinto e Sentes; o que é uma grande diferença mas não é comum.
Sossegaram na varanda, nas duas cadeiras vermelhas e maleáveis que balançavam, como o vinho nos copos e com o sol a minguar. Sem um único desviar de olhos, sem que um único vestígio do tinto escapasse à saliva – nem ele, nem ela paravam de humedecer os lábios com a língua – fixavam vidros em frente assinalados por riscas brancas; típico das janelas de um prédio em obras. Mas foi a língua dele que caçou uma ideia, solta, e formou-se um arquipélago de frases:
“Se o prédio em frente fosse já habitado e de repente, alguém me visse despir-te da cintura para baixo e sentar-te em cima de mim, poderia considerar a minha atitude agressiva.”
Ela acendeu um cigarro e não olhou para o fósforo, nem para ele e disse:
“Não está ali ninguém.”
“Então, não seria agre.. Não é agressivo”, sugeriu e depois virou-se e tentou fixá-la com o olhar.
“Disseram-me que era… Achas-me agressiva?”
“Não. Directa. Por vezes sinuosa e não é um contra senso.”
“Sou da estirpe agressiva que se derrete com nuvens laranja e violeta”, riu-se e esvaziou o copo.
E algum tempo depois – menos tempo do que ele levou a soltar a rolha da garrafa – não sossegaram de frente a um prédio porque na parede em frente à cama dele, havia um espelho que os emoldurou enquanto entraram um num outro e ele disse:
“Agora derrete. Menos líquida, mais húmida. Eu quero ver. E depois ver-te a ver. E não me vir ainda. Olha-te a ti e não ao espelho. Contorces o pescoço à esquerda se te agarro os cabelos no pescoço. Olha-me ali. Até teres mais prazer. E não vais pedir para me vir; pede o prazer de me veres o prazer.”
Já não vale a pena falar em tempo, certo é que acabaram por fechar os olhos, enroscaram-se como embriões mas não podiam ficar ali nem nove meses, nem nove horas. Existiam na terceira pessoa
Ele
colocou o alarme para as 05:30
Ela
levantou-se às 06:05 e ele torceu o nariz por tocá-la vestida às 06:10.
Falaram ensonados
(em vozes de sono que não se esquecem)
o tempo todo dentro do carro, não do todo mas no
eu, tu
mim, ti
comigo, contigo…
E voltaram a atravessar a ponte vermelha porque ele vive na margem sul, ela não. Enquanto aquela noite se derretia nas águas do Tejo. E amanhecia. Enquanto as nuvens ainda eram laranja e violeta.